terça-feira, 6 de março de 2012

Sul Americana



Lá fui eu renovar o meu visto americano na embaixada dos EUA, em Bern. Antes das 8:30, já estava devidamente plantada em uma fila com duas pessoas na minha frente, após ter feito uma micro viagem de trem de um pouco mais de uma hora, portando apenas uma carteira e os documentos exigidos para a requisição do visto. É que eles pedem, antecipando o tratamento vip que lhe será dispensado, para que você não traga absolutamente nada: bolsa, mochila, computador, celular, dispositivo usb, nada!, porque eles não têm armário para guardar coisa nenhuma e, caso você apareça com qualquer um desses itens, você não entra na embaixada e ponto final.
Como fui sozinha e de trem, não tinha com quem nem onde deixar bolsa e celular, então separei o que precisaria apresentar e incluí, como extra, na minha carteira grandinha, um batom e um micro estojo de blush, daqueles mínimos, só para ter um espelhinho, porque, dá licença, mas sul americana também é gente e criatura - vaidosa - de Deus.
Nos primeiros minutos de espera, com todo mundo postado no frio da fila formada do lado de fora da embaixada, o primeiro de todos nós, com cara de indiano, resolveu andar um pouquinho mais para frente, mas só um pouquinho, naquele caminhar de poucos passos, feito por quem espera em pé. Ele não ultrapassou nenhuma linha, nenhuma marca e nem chegou, sequer, perto da porta da embaixada, mas foi o suficiente para arrancar de dentro do prédio um oficial imenso, loiro, com cara de maníaco, que - mais parecia ter acabado de sair de uma trincheira em Bagdá e caído diretamente na calma e civilizada Bern - apontando para o rosto do moço, gritava e ordenava para que ele voltasse ao seu lugar. Com a “meda” instaurada em todos nós, o rapaz voltou “de ré” e ninguém mais se mexeu, até o loiro aparecer novamente, dessa vez berrando ainda mais alto, por ter aparecido um casal - de indianos -, cuja moça portava uma mochila. Ao invés de usar termos como “por favor” ou formas verbais que exprimem respeito ou gentileza, o cidadão soldado foi bastante agressivo e, com uma expressão de ira, perguntou o que eles pensavam que faziam com aquela mochila na fila. O marido explicou que ela apenas o acompanhava, mas que não entraria na embaixada. Nada feito. Ela não só não poderia ficar com a mochila na fila do lado de fora, como teria que esperar do outro lado da rua. Ouquei
Chegou a minha vez de entrar. Depositei os meus pertences na esteirinha do raio-x - pertences: casaco, cachecol, carteira com documentos, batom e blush - e, mesmo tendo passado incólume e sem apitar pelo detector de metais, o grandão, na sua tocante gentileza e educação, incumbiu-se, numa espécie de segunda checagem, de detectar outros possíveis metais na minha pessoa - com a ajuda daquele aparelhinho manual usado nos aeroportos - , que, claro, apitou ao se deparar com o botão do meu jeans. Não sendo óbvio para o meu investigador que se tratava de um botão, foi necessário mostrar qual era a natureza do metal, ou seja, você levanta o seu suéter até a altura da sua cintura, para que um desconhecido olhe e entenda que ali só tem um botão. Nada demais, mas... já que a minha pessoa assinala com um “x” a opção “f” do sexo, ainda acho que esse tipo de revista - porque o que eles fazem é, de fato, uma revista, por menos que ele não tenha encostado um dedo em mim (mas isso seria o inimaginável do absurdo, não!?) - deveria ter sido feita pela “oficiala” presente na sala, e não por aquele gigante intimidador.
Muito bem. Terminada a fase do metal e passados os pertences pelo raio-x, um outro oficial, dessa vez negro e infinitamente mais bem educado do que o primeiro, encarregou-se de checar, novamente, os mesmos pertences já “radioxzados”, e de fazer algumas perguntas fundamentais à segurança do estabelecimento, tais como: “você trouxe alguma espécie de celular, câmera, dispotivo USB ou arma de fogo!?”, não, moço, hoje eu não trouxe nem de fogo, nem química, nem nuclear. Feitas outras perguntas do gênero, ele iniciou a checagem manual das minhas coisinhas, esmiuçando a minha carteira, os meus documentos, até encontrar o blush e o batom. Ele os tirou com cuidado da carteira e perguntou: “o que é isso!?”, resposta: maquiagem?; “você poderia abri-los?”; claro; “você poderia fechá-los”; pois não; “posso abri-los?”; e ele abriu o meu batom até o final, daquele jeito que, se for mais um pouquinho, quebra, e aí, já era batom!, e analisou, com cuidado, o meu pó bronzeador, encarando-os como se fossem armas de destruição em massa, até convencer-se do contrário e me deixar seguir para a próxima etapa, onde, ouvidos alguns outros gritos por ter sentado quando deveria ter permanecido em pé - ops!, desculpa aí, moço! - tudo, finalmente, correu civilizada e educadamente, como deveria ter sido desde o início. Ou não!?
Foi um suplício. E deixou aquele gostinho de que nós sul americanos, juntamente com os nossos hermanos indianos, chineses, africanos, ainda somos encarados e tratados como cidadãos de segunda classe, para os quais se instaura um verdadeiro estado de exceção e vire-se você, independentemente da sua origem, condição social e financeira, educação, caráter, história ou qualquer outra coisa que o individualize, para provar que não é terrorista ou que não tem pretensões de imigrar ilegalmente.
É desgastante. E tira um pouquinho do prazer de visitar um país tão bonito, formado -e respeitado - enquanto Estado -, por ideias e imigrantes, iluministas, idealistas, humanistas, livres, iluminados!
Eu entendo as circunstâncias que os levaram a isso e com eles sempre me solidarizei, mas, será que eles entendem as minhas? Será mesmo que é preciso tanta descortesia? O que fica claro é que eles têm meios e formas de se proteger, de se resguardar. E quem me protege e me resguarda do fato de ser proveniente de uma parte do mundo para onde ainda olham enviesado? Porque esse é o meu único “crime”, a minha única “falta”, e assim sou fichada, categorizada, estereotipada.

Para destruir em massa ou manter a minha tez tropical bronzê!?

3 comentários:

  1. É um "bsurrdo". Mas a gente tem samba e eles não!

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  2. Querida Cris, nem tudo está perdido. Eu fui ao consulado americano na semana passada renovar meu visto e encontrei um comportamento até acolhedor. Celulares e quaisquer outros equipamentos eletrônicos também são proibidos, mas por aqui o jeitinho brasileiro resolve. Do lado de fora, ficam alguma pessoas (só não sei dizer se são funcionários do consulado ou não) com um colete escrito em letras garrafais "Guardo seu celular". Para os desavisados, o problema é resolvido mediante o pagamento de R$3,00. Devo ter ficado menos de 5 minutos na fila do lado de fora do consulado, onde funcionários do consulado (dessa vez com coletes escrito "Posso ajudar") já revisam sua papelada e separam tudo numa ordem padrão para que vc entregue lá dentro. Como tinha comigo apenas um daqueles wristlets, o guarda pediu para eu passar direto pelo detector de metais com wristlet e tudo, sem necessidade de revista do conteúdo que eu carregava. Lá dentro, entreguei a papelada para outros funcionários (também brasileiros), que me entregaram uma senha e me pediram que sentasse. E não é que tinha lugar para todos na salinha de espera. Devo ter aguardado cerca de 45 min lá sentadinha, mas previnida que sou, levei meu livrinho. Após, acredito eu, funcionários americanos analisarem meus docs, me chamarampara gravar minhas digitais - e uma funcionária, muito educada, até ajudava as pessoas a posicionar os dedos na posição correta - e recebi um papel para levar no correio e pagar o Sedex. O próprio correio se engarrega de pegar o passaporte com o consulado e mandá-lo para vc.

    Amiga, os brasileiros estão com tudo e não estão prosa! O Obama não é bobo não. Ele viu sustentarmos o mercado imobiliário na Flórida (já perdi a conta do número de conhecidos que comprou um apto em Miami recentemente) e o varejo em NYC (malas e malas lotadas na volta pra casa) e decidiu que valia a pena tentar olhar para a nossa terrinha com outros olhos.

    beijos

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    1. Este nosso empreendorismo me encanta, seja para turbinar o mercado imobiliário deles ou para criar a profissão de "guardador de celular" na porta do consulado! Onde mais nesse mundo existe um povo capaz de ideia tão jeitosa e simpática!? Rs... Acho que lançarei essa ideia por aqui, mas prometo ficar quietinha do outro lado da calçada para não ser convidada a me retirar pelo loirão...
      Tem mais é que tratar bem mesmo: estamios ntre as 3 nacionalidades que mais os visitam e somos os que em média mais gastamos...

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