terça-feira, 6 de março de 2012

O Poema da Seca

Ontem, um livro me manteve acordada até a silenciosa madrugada. É um daqueles livro que a gente não lê, engole. Ele me presenteou com um país, que apesar de ser o meu, eu não conhecia.

Eu tive o prazer de trabalhar com o autor, o advogado mais educado que já conheci, com fala mansa, tanto no inglês, quanto no português perfeito, diga-se de passagem. Seu aprendizado da língua portuguesa deu-se por pura paixão a cultura brasileira. Provido dessa paixão, da curiosidade de advogado e da vivacidade dos seus vinte anos, ele viveu e conviveu um tempo no nosso nordeste, morando em comunidades no sertão e descobrindo olhos, medos, bocas e terras inexistentes para muitos, inclusive para mim.

Abertura do livro dá-se assim:

“I went to the government, and got half-backed lies

I went to the newspaper archives, but the government censored them

I asked tha bankers, but they tried to sell me some debt

The American Embassy explained that people do not know what is best

The CIA officer barely spoke Portuguese

The priest said that the people are afraid to resist

The rich man said the people are ignorant

So I asked the people

And they handed me poetry”

Nicholas Arons

Suas experiências são hilárias, bizarras, sarcásticas e únicas. Algumas eu soube pela narração da própria pessoa, um privilégio. Mas a leitura é imperadora, tudo lindamente narrado e brilhantemente escrito. “ Waiting for the rain”, esse é o livro que me levou a conhecer um Brasil que não me apresentaram nem através das novelas.

O autor viveu em comunidades no sertão brasileiro, com o intuito de ajudá-las e de entender o fenômeno da seca, das chuvas e de todo antagonismo da brasilidade nagô. Conheceu o sertanejo, a cachaça, a festa junina e a indústria da seca. Distribuiu panfletos sobre a AIDS, e só após vê-los no chão, descobriu que não era descaso da população, mas analfabetismo. Deu aula, mas não teve audiência. Observou que ao repentista o povo ouvia, e foi assim, contratando o “repente” que fez a população ouvir o que tinha a falar. Sobreviveu a um sequestro relâmpago e a outras experiências que me levam a ter vergonha. A vergonha se vai quando me encanto com o que me é apresentado, e é meu!

Confesso que pouco parei, em minha vida, para pensar sobre o assunto. As notícias são as mesmas, sai ano entra ano, secas e chuvas, gados mortos, enchentes de cobrir os casebres, uma região judiada, pobre, fadada ao desastre. Já é certo e por ser certo não é novidade, então pouco alarde se faz. E assim eu ignoro, mesmo sabendo que dezembro será pior. Mas tudo que é repetido cansa. Talvez eu tenha me cansado, porque tenho a opção de me cansar. Talvez tenha me desligado daquele mundo, porque não é meu mundo, mas não o é por uma sorte divina, devo lembrar. E mesmo assim quem lá vive apresenta um charme e alegria que formam um poema, tudo belamente observado pelo autor.

Não me cabe fazer um resumo do livro mas sim aguçar a curiosidade para que se esbaldem com a viagem ao sertão brasileiro, diferente dos nossos ilustres escritores, nesta obra tem-se a narração de alguém de fora, alguém que apesar de ter nascido em outra América, encontrou-se deslumbrado com a poesia nacional, a poesia sobre o único desastre natural que carregamos, a seca.

2 comentários:

  1. Esta nordestina que nasceu de frente para o mar e também desconece tudo isso emocionou- se com o texto e a sensibilidade da amiga escritora. Quero ler esse livro! Vamos fazer uma expedição ao sertão!?Desde que li o Romance da Pedra do Reino, do Ariano Suassuna, tenho essa vontade... Mas, para encarar essa empreitada, acho que só conto mesmo com a curiosidade e desprendimento do meu marido gringo ;) Enfim, fiico feliz em confirmar o que sempre soube: tem gente, como o seu amigo gênio, que gosta de gente, até e especialmente de sul americano!, independentemente a qualquer outra coisa. Um viva a essas pessoas!

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  2. Amiga a foto do facebook dele é a bandeira brasileira desde que o conheci!!! Ele é uma simpatia e ao mesmo tempo é daquelas pessoas que T-U-D-O acontece, pro bem ou pro mal, coisas desastradas e encontros inusitados. Conheceu a Raquel de Queiroz, outro dia conheceu na esquina do escritório o nosso cineasta Fernando Meirelles, só perguntando se era brasileiro e tal... baixe o livro e se divirta.
    Quero que maio chegue logo!

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