quinta-feira, 5 de abril de 2012

Liquidificando incoerências

Incongruências de um primeiro mundo desenvolvido, rural e pequeno que em tudo se contrasta ao meu terceiro mundo subdesenvolvido, citadino e gigante.
São para elas que o meu nariz adulto e urbano, vez ou outra, ainda se torce, em pura rejeição; enquanto os meus olhos de criança de apartamento, todas as vezes, sempre se abrem, em admirado brilho; e o liquidificador instalado na minha cabeça de um tudo processa, na tentativa de extrair da mistureba o melhor da dessemelhança.
Porque não é tão fácil assim associar terno e gravata a cheiro de estrume. Na menor cidade mais cosmopolita do mundo, executivos de uma gigante do chocolate cruzam, pra lá e pra cá, as faixas de pedestre - sem farol, enquanto o motorista, educadamente, aguarda-os passar - misturando à balbúrdia de um horário corrido de almoço, todas as línguas possíveis de serem faladas e também o cheiro dos campos recém adubados.
É que o leite garantidor do sucesso desse chocolate é ordenhado logo ali em cima, trazendo diversidade e mundo para a cidadezinha na beira do lago, enquanto Mimosa e Mococa pastam alegremente, comendo seu capim fofo e clorofilado, há poucos quilômetros de onde o almoço executivo é servido.
E o que acha de contar carneirinhos e desembarcar, logo mais, em Paris? Da pequena estação de trem, em formato simpático de casinha de bonecas, cruzo toda a Europa e chego em Paris em menos de 4 horas, mas não sem antes observar da janela do meu trem, Cachecol, Echarpe e os três bebês ovelhas que nasceram com a primavera.
É o resultado de uma densidade demográfica considerável, espremida em um país pequeno, cercado por montanhas e recheado por lagos, obrigando a cada pedacinho de terra, incluindo o logo ali ao lado da estação, ser aproveitado da melhor maneira possível. Puro contraste à densidade que estou acostumada, espalhada por um país continente, invisibilizada a olhos nus - o que termina ajudando, e muito, aos olhos que também não a querem ver -, e cuja infinitésima menor parte, a qual posso dizer que pertenço, finge que todo esse país imensamente imenso, resume-se, apenas, ao certo desenvolvimento da sua maior cidade.
Também é possível encontrar raposas espreitando galinhas chinesas, que correm para se esconder no meio das vinhas desistindo da presa, assim que avistam a sua pessoa possivelmente recém-saída de um bar glamoroso, com vista cinco estrelas para o lago, onde provavelmente você tomará champanhe originária do país avistado logo ali na frente, e será tratada como em qualquer outro bar glamoroso do mundo.
Torço o nariz, mas não deixo de abrir os olhos. Enquanto admiro a capacidade com a qual harmonizam incoerências - ao menos, incoerentes no meu mundo, por lá tomarem a forma de realidades distantes e distintas -, e passam da ordenha à pâtisserie, do trator ao rolex, da brasserie rústica ao hotel palácio; simplificando o sofisticado, sofisticando o natural, integrando-os sem jamais esquecer de que são e estão necessariamente conectados e dependentes. Um não existe sem o outro, portanto não se negam, nem se excluem, convivem, em sinuoso, neutro e excêntrico - suíço - equilíbrio.

Um comentário:

  1. Ai que riqueza. Consigo imaginar o cenário e os contrastes que valem um filme. A cabeça gira mesmo. QUem disse que mudança é fácil? É excitante, mas não é fácil, mas as oportunidades de experiências diferentes são tão enriquecedoras da sua pessoa que paga a dificuldade. Adorei os nomes: Mococa; Mimosa, Cachecol hahaha
    Cada vez melhor...

    ResponderExcluir