terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Mudança




Mudanças implicam em armários para esvaziar e malas para preencher. Em olhar para todo o acúmulo da sua vida e escolher o que segue com você e o que fica para trás. Foi assim naquele quartinho que poderia ter sido de tantas outras coisas, mas que foi mesmo dos livros, dos desenhos, das fotos, das lembrancinhas, dos hóspedes queridos e, no final, de uma mala vinda de outros continentes que, desde a primeira vez, quedou em se hospedar ali, ainda sem saber que com ela me levaria.

Entrei no quarto munida de sacos de lixo e disposição para toda uma jornada. Não sei bem por onde comecei, mas o que sei é que me perdi em meio à minha própria estória, passada e repassada nos últimos dez anos. O quartinho simples e branco, com o sofá cama forrado por uma manta cheia de pelos da Vitória, era na verdade, uma máquina do tempo, que me levou a cada fato, cada viagem, cada emprego, cada amigo, cada amor, cada sentimento angariado por esse passado.

O quartinho era um arquivo vivo da minha existência, por onde era possível descobrir todas as taxas do meu colesterol, todas as fases do meu útero, todas as minhas intervenções médicas; um retrato exato da profissional que fui, em todos os trabalhos que passei: listas ticadas de “to do”, anotações de reuniões, estudos, pesquisas, estruturas inteiras para a execução de pareceres ou peças; um recibo sem precedentes da festeira que sou: fotos e festas anotadas em agendas e mais agendas, além de todas as férias e seus destinos.

Pessoas que entraram, pessoas que saíram, pessoas que permaneceram em minha vida, marcadas geralmente em vermelho, em laranja ou em lilás, nos dias dos seus aniversários.

Faturas antigas, boletos pagos, comprovantes das aulas de boxe, de squash, de pilates, de yoga, de cabala, de torno e modelagem, de fotografia, de seminários e palestras tributárias, de cursos de moda, de aulas de inglês, italiano e... francês!

No meio de tudo, aquele notebook jurássico. Um Toshiba adquirido no ano 2000, pesado como todos daquele tempo. Há anos ele está aposentado. Foi quebrando uma coisa aqui, outra ali, até que o bichinho ficou relegado ao esquecimento e substituído por algo mais novo e interessante. Olhei bem para ele e foi incontrolável a vontade de desvendá-lo. Achei que o cabinho do meu novo note serviria para ligar a antiga bateria à tomada e, deu certo! No seu tempo, a tela se acendeu em cores desbotadas, revelando um papel de parede com um satélite gênero “uma odisséia no espaço”, e um ícone do IG, internet grátis, em um canto. Vendo que ainda funcionava, corri para os “meus documentos” e, estava tudo ali!, tudo o que eu não lembrava mais ter escrito com a ajuda do Word 97, em 2000, 2001, 2002, 2003...

E foi lá que encontrei o meu tesouro perdido, a oportunidade de “ler-me” e “entender-me”. Reconheço a fala, mas passou, mudou, virou outra coisa. Acho que ninguém aos vinte e pouquinhos se dá conta de como se é absurdamente jovem. No mais, a mesma ânsia de vida.

Matadas as saudades, saciada a curiosidade, fechei nos sacos de lixo coisas até então mantidas por acreditá-las valiosas, mas que o tempo se incumbiu de depreciar. Posso seguir sem elas e aproveito para abrir espaço para coisas novas. Comigo, decidi levar apenas o que penetrou a pele, contaminou o sangue, instalou-se no cérebro, agarrou-se ao coração; só lembranças e só as boas, porque as más fiz questão de esquecer; a certeza de vida passada a limpo, e a disposição para começar coisa nova.

Um comentário:

  1. Impecável! Compartilho com você esta experiência de VIDA NOVA, ja ja conto.
    Amei.

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